Quando Mariana decide reagir ao fato do marido não aceitar um pedido seu, que vinha de uma observação do pai, um tradicionalista "aferrado aos hábitos", de trocar o chapéu velho, que, segundo o sogro, parecia "torpe" em comparação "com outros chapéus altos de homens públicos" , a sua primeira atitude é a de sair e procurar uma amiga, Sofia. Esta, sábia como o próprio nome e a ave de Minerva (e por duas vezes ela é comparada não à coruja, mas ao gavião, portanto, também selvagem), faz a sua primeira observação dizendo que "a culpa não era do marido". Obviamente, querendo dizer-lhe que era dela, por aceitar voluntariamente a servidão e não lutar para pôr fim àquela relação entre senhor e escravo. Sofia, em sua casa, já havia invertido a relação e era a sua vontade que imperava: "Não lhe peço uma cousa que ele me não faça logo; mesmo quando não tem vontade nenhuma, basta que eu feche a cara, obedece logo" . Era essa a "harmonia" nova que Sofia havia estabelecido em casa, e "Mariana ouvia com inveja essa bela definição do sossego conjugal. A rebelião de Eva embocava nela os seus clarins" . Nós veremos que essa simples inversão da ordem, com a mulher passando a freqüentar a rua e a Câmara dos Deputados, os lugares do público e da política, portanto, da universalidade, acabava tornando os dois, marido e mulher, criminosos aos olhos do outro (da consideração social), ela "mulher pública" (a prostituta) e ele doméstico (o corno manso), o que não resolvia o problema.
Um pouco adiante, Sofia, pelo fascínio que exerciam as suas palavras e atitudes, é comparada ao mesmo tempo ao demônio e a Bonaparte, aquele que, aos olhos de Hegel, teria promovido a síntese entre o particular e o universal, na figura do cidadão, o trabalhador-soldado: "Mariana aceitou; um certo demônio soprava nela as fúrias da vingança. Demais, a amiga tinha o dom de fascinar, virtude de Bonaparte, e não lhe deu tempo de refletir. Pois sim, iria, estava cansada de viver cativa.Luiz Roncari
Professor da FFLCH/USP
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