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segunda-feira, 7 de julho de 2008

ANÁLISE DO CONTO "Capítulo dos Chapéus" - Machado de Assis

No conto de Machado se processa mais uma inversão com relação à farsa maliciosa: o chapéu deixa de ser sinédoque da mulher para ser do homem. Se, num primeiro momento, o chapéu significaria aquilo que ocupa obsessivamente a cabeça dos homens, como a do Conrado, que usa sempre o mesmo chapéu desde que se casou, "desde cinco ou seis anos, que tantos eram os do casamento", e representaria a que estariam reduzidas as mulheres na sociedade patriarcal, objeto de posse; num segundo momento do conto isto se inverte e ele readquire a sua conotação convencional, de símbolo masculino. A uma certa altura, as duas amigas, Mariana e Sofia, passam a se referir aos homens, metonimicamente, como chapéus.

Quando Mariana decide reagir ao fato do marido não aceitar um pedido seu, que vinha de uma observação do pai, um tradicionalista "aferrado aos hábitos", de trocar o chapéu velho, que, segundo o sogro, parecia "torpe" em comparação "com outros chapéus altos de homens públicos" , a sua primeira atitude é a de sair e procurar uma amiga, Sofia. Esta, sábia como o próprio nome e a ave de Minerva (e por duas vezes ela é comparada não à coruja, mas ao gavião, portanto, também selvagem), faz a sua primeira observação dizendo que "a culpa não era do marido". Obviamente, querendo dizer-lhe que era dela, por aceitar voluntariamente a servidão e não lutar para pôr fim àquela relação entre senhor e escravo. Sofia, em sua casa, já havia invertido a relação e era a sua vontade que imperava: "Não lhe peço uma cousa que ele me não faça logo; mesmo quando não tem vontade nenhuma, basta que eu feche a cara, obedece logo" . Era essa a "harmonia" nova que Sofia havia estabelecido em casa, e "Mariana ouvia com inveja essa bela definição do sossego conjugal. A rebelião de Eva embocava nela os seus clarins" . Nós veremos que essa simples inversão da ordem, com a mulher passando a freqüentar a rua e a Câmara dos Deputados, os lugares do público e da política, portanto, da universalidade, acabava tornando os dois, marido e mulher, criminosos aos olhos do outro (da consideração social), ela "mulher pública" (a prostituta) e ele doméstico (o corno manso), o que não resolvia o problema.

Um pouco adiante, Sofia, pelo fascínio que exerciam as suas palavras e atitudes, é comparada ao mesmo tempo ao demônio e a Bonaparte, aquele que, aos olhos de Hegel, teria promovido a síntese entre o particular e o universal, na figura do cidadão, o trabalhador-soldado: "Mariana aceitou; um certo demônio soprava nela as fúrias da vingança. Demais, a amiga tinha o dom de fascinar, virtude de Bonaparte, e não lhe deu tempo de refletir. Pois sim, iria, estava cansada de viver cativa.

Luiz Roncari

Professor da FFLCH/USP

FONTE: http://www.scielo.br

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